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“O sistema capitalista é incompatível com a saúde e a vida”, avalia epidemiologista Jaime Breilh ao falar sobre agrotóxicos em Curitiba


Em visita recente à Universidade Federal do Paraná (UFPR), o médico equatoriano e reitor da Universidade Andina Simon Bolívar Jaime Breilh fez duras críticas ao neoliberalismo e ao modelo agrícola adotado pelo agronegócio. “O sistema capitalista é incompatível com a saúde e a vida”, avalia o epidemiologista. Breilh veio ao Paraná especialmente para ministrar curso de Epidemiologia Crítica, a convite do Núcleo de Estudos em Saúde Coletiva, do Departamento de Enfermagem da UFPR e do Observatório do Agrotóxico.
Sua fala de abertura começou com uma avaliação do atual momento político brasileiro e também da América Latina. Para ele, o retorno do neoliberalismo é uma tendência no continente e terá impactos negativos para a saúde das populações e em questões de justiça social. “Essa civilização não está construída para a vida e para a saúde, está construída para os negócios”, afirmou. “Nosso modelo de agricultura se transformou em um instrumento para a morte, não mais projetada para alimentar”, completou.
Para ele, a ciência tem um papel fundamental na desconstrução desses paradigmas. “O conhecimento pode ser instrumental, à medida que possibilita a expansão do modo civilizatório dominante; funcional, fomentando o desenvolvimentismo tecnocrático; ou crítico emancipador, fornecendo um juízo filosófico sobre a realidade social”, explica. Para ele, a ciência e o conhecimento têm o papel de radicalizar a compreensão da realidade, articular pensamentos.

“A lógica individual e a visão acrítica veem o mundo de forma fracionada e atuam apenas sobre fatores, não tratam da relação com o sistema capitalista”, diz Breilh.
Esse modelo fragmentado, aplicado à epidemiologia, relaciona fatores de risco diretamente ao indivíduo. Por exemplo, o agrotóxico, o risco do trabalho e a pobreza ameaçam diretamente os camponeses. “Dessa forma não se considera que as vulnerabilidades estão socialmente determinadas, que há relações de poder, relações de classes, modos de produção. Realiza denúncias que não identificam o processo propriamente, não promovem transformação social”, afirma.
Um modelo crítico avaliaria a complexidade de cada instância e suas relações: geral, particular e individual. Os processos individuais dizem respeito à constituição genofenotípica dos indivíduos, seu comportamento, seu cotidiano, seus hábitos de vida. Esses processos são determinados pelos processos particulares que acometem o grupo social ao qual pertencem esses indivíduos; ao modo de vida característico de cada classe social ou fração de classe. É dentro dos limites impostos pelo modo de vida particular do grupo ao qual pertencem que os indivíduos tomam suas decisões para adotar essa ou aquela atitude, mais ou menos saudável e onde suas características genofenotípicas se expressam. O modo de vida de cada grupo social é, por sua vez, sobredeterminado pela estrutura geral da sociedade. É o modo de produção, que caracteriza cada formação social, que, em última instância, determina os modos de vida particulares a cada grupo social e os comportamentos e características individuais forjados dentro das possibilidades oferecidas.

Nessa lógica, as intoxicações por agrotóxicos ocorrem devido aos processos fisiopatológicos que se estabelecem nos corpos dos indivíduos que têm contato com tais venenos. O contato com os venenos se impõe no modo de vida do trabalhador que realiza a agricultura do monocultivo com utilização de produtos químicos fertilizantes e agrotóxicos. Tal agricultura é determinada pela necessidade de obter a maior produtividade de mercadorias, mesmo que estas sejam alimentos envenenados, deletérios à saúde, além de realizar o lucro da indústria de venenos.

“O trabalho científico não é um processo isolado ou uma prática linear. É necessário entender os interesses e forças econômicas, políticas e culturais que codeterminam os modos de pensar e de trabalhar”, sugere o epidemiologista. “É necessária uma desconstrução radical, relacionando a determinação social do pensamento e o pensamento em seu impacto social. Só assim a ciência atinge seu potencial emancipador.

A ruptura metodológica faz com que comecem a ser considerados a estrutura simbólica, valores, compromissos, práxis, incidência, a articulação entre a sensibilidade e a lógica, a complexidade em detrimento da linearidade, a determinação processual em detrimento da causalidade fatorial – e a articulação de todos esses elementos, dialeticamente. A natureza, a sociedade, tipos de propriedades, tipos de agroindústria, formas de acumulação, as classes sociais, estilos de vida individual e familiares, padrões de exposição, vulnerabilidades, formas como são construídas as fontes infecciosas são fundamentais para se compreender e propor soluções dentro da epidemiologia crítica, que tem como foco a vigilância dos sistemas ecológicos, considerando o multiculturalismo e o controle social – em detrimento da epidemiologia convencional, que se preocupa apenas com as enfermidades e a vigilância dos fatores de risco, com uma participação passiva da população e uma organização vertical e centralizada.

A agricultura e todos os processos devem, portanto, seguir o que ele chama de quatro “S”: sustentabilidade, solidariedade, segurança e soberania. “O capital, para completar seu ciclo, necessariamente não pode atender a esses quatro requisitos”, afirma.
No decorrer do curso, que durou três dias, Breilh aplicou os conceitos propostos na metodologia ao tema do encontro: os agrotóxicos. Para ele, a produção tradicional, agroindustrial, tem baixos custos e maior rendimento, mas não considera custos externos, como danos ambientais, trabalhistas e sociais, como por exemplo contaminação de águas e solos e acidentes de trabalho – que, aliás, ocorrem com maior frequência e impacto nesse modelo produtivo. “Quem arca com esses passivos é o Estado”, critica. Além disso, ele considera falaciosa a noção de que a agroindústria é responsável por alimentar o mundo. “A apropriação do excedente é o que propicia a acumulação de capital e reprodução social das relações de poder. É ela, essencialmente, quem cria a relação de assimetria entre classes, gêneros e etnias”, explica. “É uma noção antropocêntrica segundo a qual os homens são proprietários e a natureza é mercadoria”, analisa Breilh.

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